sábado, 24 de novembro de 2007

Tenho lido e relido " Conversas sobre política", do Ruben Alves, não podia deixar de postar algo sobre o assunto. Amo essa crônica:
SOBRE POLÍTICA E JARDINAGEM

De todas as vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim vocare, quer dizer chamado. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um ‘fazer’. No lugar desse ‘fazer’ o vocacionado quer ‘fazer amor’ com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.‘Política’ vem de polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades: sonhavam com jardins.
Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu ‘o que é política?’, ele nos responderia, ‘a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas’.O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo.
De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos.
Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.Todas as vocações podem ser transformadas em profissões O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.Assim é a política. São muitos os políticos profissionais.
Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: ‘Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade... Ao contrário dos ‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem.’ Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolôs.
Escrevo para vocês, jovens, para seduzi-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos dentro de vocês. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?
Acabamos de celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem. Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros. Eram lenhadores e madeireiros. E foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde uns poucos encontram vida e prazer.
Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam. (Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, 19/05/2000.)

domingo, 18 de novembro de 2007


Seguindo a idéia de manter esse espaço como um local pra armazenar textos que me são pertinentes, posto uma crônica da Marta Medeiros, que subtraídos alguns exageros, é um bom começo...



Eu: modo de usar


Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas ... permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza.
Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sózinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. ( Então fique comigo quando eu chorar, combinado?).
Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar as vezes, mesmo na sua idade.
Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.
Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca ... Goste de música e de sexo. goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua familia... isso a gente vê depois ... se calhar ... Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora.
Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos ... me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte!
Se nada disso funcionar ... experimente me amar !!!

domingo, 4 de novembro de 2007

Minha idade? 30 anos!!!!!


A balzaquiana revisitada

Aos 30 anos, a mulher é jovem. O encanto da balzaquiana hoje estende-se a outras faixas etárias. Mulheres de 40, 50, 60 podem perfeitamente viver grandes casos de amor

Entre 1829 e 1842, o grande Honoré de Balzac escreveu uma série de seis novelas que passaram a integrar sua monumental Comédia Humana. A série chama-se La Femme de Trente Ans (A Mulher de Trinta Anos), e conta a história de uma mulher casada com um homem grosseiro e insensível, uma ligação da qual resulta sua infelicidade e que depois teria contrapartida na Madame Bovary de Gustauve Flaubert. Balzac estava mais interessado em analisar as contradições da sociedade de então, mas a verdade é que sua personagem, Julie, tornou-se paradigmática. Casada com Victor, oficial do exército de Napoleão, tornando-se a infeliz Sra. D'Aiglemont e perdendo "aquela suave alegria que animava os folguedos da nossa infância". O casamento é infeliz, apesar de uma filha, e Julie arranja um primeiro amante, o jovem inglês Arthur, que morre de maneira tragicômica; para não ser surpreendido por Victor refugia-se no peitoril da janela e morre congelado (provavelmente clamando pelo aquecimento global). O que reforça a amargura de Julie acerca do casamento, que "só a nós faz sentir todo o seu peso: para o homem a liberdade; para a mulher, os deveres. Devemos consagrar aos homens toda a nossa vida, eles nos consagram apenas raros instantes... o casamento, tal como hoje se pratica, parece-me ser uma prostituição legal". Aos 30, porém, nova paixão, Monsieur Vandenesse, e aí a constatação: "Chegando a essa idade, a mulher sabe consolar, enquanto a jovem só sabe gemer. A mulher de 30 anos pode se fazer jovem, pode desempenhar todos os papéis e até encontrar beleza na desgraça".

Revolucionário, na França daquela época. A expectativa mal passava dos 40 anos. Aos 30 anos, a mulher estava velha, desgastada; esperava-se que cuidasse das crianças, da casa e do bem-estar do marido e pronto. Nada disso, dizia o escritor, as mulheres não têm por que aceitar esse destino.

Balzac foi, durante muito tempo, um guru. Karl Marx, por exemplo, considerava-o grande analista da sociedade e citava-o constantemente. De modo que a balzaquiana passou a incendiar imaginações, e isso por muito tempo. Mostra-o a letra de uma antiga marchinha carnavalesca: "Não quero broto, não quero, não quero não/ não sou garoto/ pra viver só de ilusão./ Sete dias da semana/ eu preciso ver/ minha balzaquiana./ O francês sabe escolher/ por isso ele não quer/ qualquer mulher./ Papai Balzac já dizia/ Paris inteira repetia/ Balzac acertou na pinta/ mulher, só depois dos trinta".

Ou seja: homens que queriam algo mais do que os brotos, as garotas jovens podiam oferecer - sexo e, sobretudo, ilusão - procuravam a seriedade (e a paixão) das balzaquianas, seguindo a orientação de "papai Balzac". Era o começo de uma mudança que foi se tornando cada vez mais intensa.

Honoré estranharia muito o mundo do século 21 e por boas razões. Para começar as pessoas estão vivendo mais: mesmo no Brasil, país pobre, a expectativa de vida já chegou aos 70 anos. Depois, velhice não quer dizer decadência. Grande parte das doenças e dos problemas que acompanham esta faixa etária são perfeitamente controláveis, ainda que a reposição hormonal seja objeto de polêmica. A cirurgia plástica faz maravilhas. Mais: o casamento está sendo adiado em função da formação profissional e do trabalho. Resultado: aos 30 anos, a mulher é jovem. O encanto da balzaquiana hoje estende-se a outras faixas etárias. Mulheres de 40, de 50, de 60 podem perfeitamente viver grandes casos de amor. Não é a imortalidade que a ABL promete, mas é quase. Balzac teria de reformular sua obra. Com o que, entre parênteses, ela apenas se tornaria mais interessante.
Esse texto, de uma gentileza bacana é do Moacir Scliar